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Blog da Lucia Helena
E
la é insipida, inodora e incolor. No entanto, se transforma em um dos temas de maior visibilidade e com sabor de desafio entre os cientistas que estudam a alimentação e as doenças do metabolismo. Todos querem encontrar maneiras de fazer a humanidade matar a sede com a água. Purinha. Água de beber. Simples assim? Que nada...
Em um estudo conduzido pela Danone Research, os pesquisadores avaliaram o consumo do liquido por pessoas de todas as idades em 13 países, incluindo o Brasil. Qualquer líquido, no caso. Nós, brasileiros, deixamos de tomar cerca de um copo cheio diariamente, pensando na indicação média de 2 litros para o período de 24 horas. Mas a diferença ou o quanto ficamos devendo de hidratação ao nosso corpo pode ser até maior na prática, dependendo do individuo e dos ponteiros da balança. Isso porque a indicação precisa seria de 35 mililitros de reposição por quilo de peso. Então, feitas as contas, um adulto de 70 quilos deveria beber 2,4 litros por dia.
O pior é que, no exemplo brasileiro, só 42% desse volume é de água pura. E, olha, até que estamos bem. Assisti à apresentação da fisiologista francesa Jeanne Bottin, a principal autora do estudo da Danone Research, durante o Congresso Europeu de Obesidade, o ECO. Segundo ela, 81% dos brasileiros – adultos e crianças – tomam mais do que um copo de água por dia.
Imagine que, na França, só um quarto da população adulta bebe mais do que um único copo e apenas 48% das crianças dão esses goles. “No caso delas, isso graças a um esforço das escolas, depois de campanhas de educação disponibilizando garrafinhas dentro da sala de aula”, contou a pesquisadora. Na Europa inteira os números são parecidos. No Oriente, a coisa piora bastante: oito em cada dez japoneses tomam menos de um copo de água por dia e essa falta de hábito também é observada em seus vizinhos chineses.
Para uma corrente de cientistas que ganha cada vez mais força, só a água – portanto, friso, nenhum liquido – é capaz de afastar a ameaça do diabetes tipo 2. O resto? “O resto, apesar de conter água na formulação, vem com açúcar e até mesmo com outras substâncias que, embora não sejam doces nem calóricas, acabam obrigando o organismo a usar parte dos seus fluidos para processá-las. Quer um exemplo? A cafeína, que além de tudo é diurética.”, me ensina o professor Evan Johnson, da Universidade de Wyoming, nos Estados Unidos. Então, em matéria de manter os fluidos do corpo humano, seria como dar um passo à frente e um passo atrás.
O que você retém da água de um cafezinho não é o volume exato daquela xícara de café sorveu. Quer ver? Só 90% da água do chá, do café e do coco ficam com seu corpo. O restante entrou por aqui e saiu por ali. Refrigerante tipo “cola”? Apenas 85% do volume contam – e, mesmo assim, em teoria. Na realidade, se o refri ou qualquer bebida tiver açúcar e ele ficar em excesso no sangue, o organismo vai produzir mais urina na tentativa de varrê-lo. Então, na lógica da fisiologia, muita bebida desidrata tanto quanto hidrata, conforme o caso e o cidadão que bebe.
Em sua aula no ECO, o professor Johnson apresentou um estudo com diabéticos tipo 2. Metade do grupo tomou água na quantidade justa para o seu peso. A outra metade bebeu menos água do que seria a recomendação, embora pudesse tomar outros líquidos sem açúcar. Esses outros líquidos, porém, não compensaram a falta de água, justamente por causa do fenômeno entrou-por-aqui-saiu-por-ali.
Em média, os pacientes ficaram com 1,6% menos fluidos no organismo e passados apensa três dias nessa condição já apresentaram alterações na glicose no sangue – seguindo a mesmíssima dieta da turma que matou a sede com água, bem entendo. “Não tenho dúvidas de que beber água deve fazer parte da prescrição para o diabético controlar a sua doença”, diz ele.
Já há um consenso de que beber água ajudaria a prevenir ou ao menos a adiar o aparecimento do diabetes tipo 2. O primeiro estudo robusto já tem oito anos e veio da Universidade de Paris-Diderot, acompanhando 3.615 indivíduos com glicemia normal por duas décadas.
Nesse período, 565 deles começaram a apresentar taxas de açúcar mais elevadas no sangue, enquadrando-se no chamado pré-diabetes. Outras 202 pessoas tornaram diabéticas pra valer. Em comum, ninguém bebia muita água. A conclusão dos cientistas franceses foi de tomar 1 litro de água pura por dia – veja, apenas 1 litro – já diminui o risco do diabetes tipo 2 em 28%, o que não é pouca coisa.
“Todos refletindo por que não tratar a água como um macro nutriente e este é um excelente ponto de discussão”, opina a endocrinologista Fabiana Paoli, da Clínica Paoli, na capital paulista. Com quem cruzei algumas vezes pelos corredores do evento europeu, onde parecíamos duas formiguinhas alucinadas entre uma sala e outra. No final, quando perguntei à doutora o que ela tinha achado mais interessante no congresso sobre obesidade e não deu outra: “O espaço que o consumo de água teve na programação”. De fato, sem contar apresentações sobre o tema espalhadas ao longo de cinco dias, houve uma manhã inteira só para discutir esse assunto.
Alguns apostam que a alta de uns goles de água foi a gota que faltava para disparar uma serie de doenças muito comum hoje em dia. O elo com o diabetes seria apenas o mais conhecido até o momento – se bem que Jeanne Bottin apresentou dados até mesmo de desenvolvimento cognitivo em crianças para provar seu ponto de vista de que esse liquido faz total diferença para o bom funcionamento de qualquer célula do corpo humano.
“No caso do diabetes, sabemos que, para se proteger da desidratação, o organismo eleva seus níveis de vasopressina”, me explica a doutora Fabiana Paoli, traduzindo ao blog o emaranhado de moléculas dos trabalhos relacionando o consumo de água à prevenção de doenças. Faz sentido: a vasopressina também atende por hormônio antidiurético, ou seja, evita que a gente escoe o liquido que já esta ameaçando faltar no corpo na forma de xixi.
O fato é que a elevação de tal vasopressina provoca uma reação no fígado. E o órgão, então, libera mais glicose, que tinha armazenado para casos de necessidade. Essa glicose ligeiramente aumentada, por sua vez, é uma provocação para o pâncreas – dia após dia, sendo obrigado a produzir mais insulina do que o normal. E a partir daí, pela falta de um copo de água, tudo começa a sair do lugar. Com o tempo, surge resistência à ação desse hormônio. Mas não só isso.
“A própria insulina mais elevada atrapalha uma enzima importante apara o seu corpo quebrar a gordura. Então. Sem água ficaria mais difícil emagrecer”, diz a doutora Fabiana Paoli. Como se não bastasse, outra enzima fica mais ativada na presença de vasopressina e faz o serviço inverso: deposita gordura, principalmente na região visceral. Tirou dai algumas deduções: Sim, em tese – apenas tese – deixar de beber água poderia até aumentar a barriga.